segunda-feira, 28 de junho de 2010

Almeida, estrela de pedra






Almeida pronunciava-se “Al meda ou Talmeyda”, denunciando a sua origem árabe. Em português, significaria “mesa assente num planalto”. Quem sabe terá herdado o nome da lenda duma mesa cravada de pedras preciosas?

O Rio Côa fluía, vagueando sorrateiramente pela vista soberba, desviando a atenção dos inimigos. Muitos ambicionavam tomar posse desta furtiva aldeia. A primeira referência data de 1039, das “Crónicas dos Godos”, nas quais Fernando Magno de Leão e Castela conquistava esta terra aos mouros. Dois séculos depois, Almeida anda à deriva, abandonada, sem dono. De repente, transforma-se numa bem demasiado apetecível, caindo em várias mãos: leonesas, muçulmanas ou portuguesas, voltando as leonesas…

Finalmente, em 1297 é definitivamente do reino português, com o Tratado de Alcanices. Uma nova página da História começa para Almeida. D. Dinis concede-lhe um foral e manda reconstruir o Castelo. Em 1510, D. Manuel I enaltece a importância desta vila, renovando o foral e o castelo, seguindo o desenho de Duarte D’Armas.

Mas os tempos de paz depressa se esfumaram… Todo o esforço para manter Almeida portuguesa, caia por terra. As fragilidades políticas do reino português eram as culpadas:

- crise diplomática de 1372: entre D. Afonso V e D. Henrique II de Castela, solucionada com a entrega de Almeida a Castela, durante 3 anos.

- crise de 1383-85: o alcaide de Almeida jura fidelidade a D. Beatriz, consagrando Almeida como domínio castelhano. Contudo, D. João I assume o poder, subindo ao trono lusitano e recuperando Almeida.


No séc. XVII, o reinado português mergulha no período dos Filipes, “os reis estranhos” por 60 anos. Nesta fase, os castelos raianos são esquecidos, perdendo a sua função defensiva. Restaurada a independencia portuguesa, os espanhóis rondavam, querendo Almeida de volta. O seu ataque pelo Riba Côa era previsível, daí a necessidade urgente de uma verdadeira fortaleza almeidense.

Enquanto essa fortificação é construída, a região sofre pilhagens e razias, cada vez mais violentas. A tomada da vizinha vila de Castelo Rodrigo, faz estremecer Almeida. Porém, com bravura e em desvantagem numérica, enfrenta o exército comandado pelo Duque Ossuna, no fatídico dia 2 de Julho de 1663. Sem que nada o fizesse prever, sai vitoriosa, adquirindo um papel decisivo na guerra da Restauração.

Na guerra dos 7 anos (1756-63), traça outra reviravolta: o cerco do exército Espanhol faz capitular a Praça de Almeida. Em 1763, é restituída.
Em 1810, na terceira vaga das Invasões francesas: o grande golpe! As tropas do general francês Massena lutam de forma sangrenta junto à ponte do Côa. Vencedores, sitiam a fortaleza durante um mês. Almeida acaba por render-se a 26 de Agosto. Mas o inesperado acontece: um paiol explode! Cerca de 75 toneladas de pólvora aí armazenadas desencadeiam a destruição do velho castelo medieval, parte do forte, a Igreja matriz e todas as habitações próximas. A considerável amplitude do estrondo chega a atingir mortalmente a linha inimiga. Mais de 500 homens e parte da população morrem, enterradas vivas, nas casamatas.

O domínio francês ainda persistirá até ao final da guerra. Antes de deixar Almeida, o império gaulês ainda provocará elevados danos nos pontos estratégicos da fortaleza.

Palco de confrontos entre absolutistas e liberais entre 1832-1834, este imponente baluarte de guerra beirã só é reclassificado em 1887. Quarenta anos mais tarde, perde definitivamente a sua actividade militar, com a saída da última força armada.

Em 1994, é classificada Aldeia Histórica de Portugal. O vento sopra-nos ao ouvido histórias da vida agitada de outrora. No ar paira a famosa frase: “Almate – Alma até Almeida”, declamada por todos os que ansiavam sobreviver à guerra.
Nesta visita, seremos arrebatados por um conjunto de emoções bélicas, impressas na terra. Juntos, contemplamos então a “Estrela de Pedra” cinzelada no solo.

in: Aldeias Históricas de Portugal - Guia Turístico
Edição : Olho de Turista 2010

terça-feira, 22 de junho de 2010

Uma aventura na aldeia...


Era uma manhã de domingo, a uma semana da euforia do Carnaval. Finalmente veio o céu azul e o sol brilhava com toda a força. No ar pairava o cheiro das mimosas e o canto dos pássaros pareciam anunciar uma Primavera antecipada. No mesmo instante, assaltou-me a memória, com vivências de meninice, há muito esquecidas. Senti uma vontade enorme de as reviver novamente, na companhia da minha família. Foi o suficiente para anunciar lá em casa que nesta mesma manhã iríamos procurar um tesouro escondido na terra dos avós.
A expectativa era tão grande, que os meus pequenitos não paravam de fazer perguntas, durante toda a viagem. “Que tesouro é esse que a mãe nos quer mostrar? Está enterrado, como naquelas histórias que nos contas, dos piratas? A mãe tem algum mapa do tesouro para descobrir onde está?” Eu só lhes dizia: “ Tenham calma! Quando lá chegarmos, vocês vão ser os primeiros descobri-lo. Mas na realidade estava tanto ou mais ansiosa do que eles. À medida que nos aproximávamos do destino e apreciava a beleza das montanhas verdes e floridas, o meu pensamento recuava no tempo. Eram momentos felizes do “faz-de-conta”alheios às preocupações e responsabilidades da vida adulta.
Quando estávamos quase a chegar, um deles pergunta eufórico, apontando da janela :” Ó mãe, aquilo ali em cima é um castelo? Vamos encontrar um tesouro num castelo?” Apenas acenei, com um grande sorriso.

Estacionámos o carro em frente ao café da aldeia. Uma senhora pequenina vestida de preto, da cabeça aos pés, deixava a descoberto um pouco da brancura do cabelo, das mãos e da cara enrugada. Estava sentada ao sol, num banquinho a fazer renda. Saudou-nos, assim que nos viu. Depressa os meus pequenos perguntaram-lhe se tinha ouvido falar de um tesouro. Para o nosso espanto, deu-nos um livro castanho. Disse-nos que bastava seguir as pistas do livro, passo e passo, e encontraríamos o dito tesouro. Quase sem palavras para agradecer, comecei a esfolhear as primeiras páginas. Tínhamos acabado de fazer uma descoberta empolgante: a aldeia, onde nos encontrávamos, fazia parte da Rota das 12 Aldeias Históricas de Portugal. Impacientes para saber mais, todos queriam pegar no livro. Só depois de se acalmarem li em voz alta:


“Em 1994 foram distinguidas 10 aldeias [Almeida, Castelo Mendo, Castelo Novo, Castelo Rodrigo, Idanha-a-Velha, Linhares da Beira, Marialva, Monsanto, Piódão e Sortelha], sendo acrescentadas ,em 2003, mais 2 [Belmonte e Trancoso]. A escolha destas aldeias regeu-se pela “diversidade da sua matriz cultural, a riqueza do seu património e a força das suas vivências e tradições singulares (1)”. Visitando uma a uma consegue sentir a emoção do lugar e retirar uma verdadeira lição de História. Nelas encontramos uma parte da alma portuguesa, cujo sentimento patriótico falou mais alto, em vários momentos da História de Portugal. Cada aldeia é, simultaneamente, única e fiel a si própria e ao conjunto das 12 conferindo, assim um conceito de rede. O que as une é seu o ambiente rural, com um cunho tipicamente beirão, pouco corrompido pelos tempos modernos. “

Aqui começa a redescoberta , ou se preferir , a reconquista das nossas raízes, onde praticamente tudo começou há cerca de 800 anos atrás.
Já em casa, o mais velho antes de dormir, sussurrou baixinho , quando lhe dei um beijo de boa noite : … “ mãe, este foi o melhor dia que passei contigo, com o pai e o mano. Amanhã podemos voltar , outra vez?”